Portal Brasileiro de Cinema Marginal, adeus
Marginal, adeus Carlos Reichenbach
1. Que conste dos autos: eu não agüento mais falar desse assunto! 2. Quando penso na época, logo me lembro da música A Whiter Shade of Pale – aquele marco da música pop dos anos 60, que começa com uma "citação" das cantatas de Bach e cuja letra, porralouca e psicodélica, fala de sessenta vestais virgens e outras sandices. É a cara do Cinema Marginal. Quem pedir hoje a Gary Brooker, autor da música e líder do extinto grupo Procol Harum, para cantá-la, na certa vai ouvir um palavrão. Brooker vem fazendo uma exuberante carreira solo, com pelo menos um CD antológico, Lead Me to the Water (1982), e como keybordista de Eric Clapton. Do Procol Harum, sobraram a história e as antologias (exploradas ad nauseum pelas majors do disco). Deu para entender? 3. Para mim, o Cinema Marginal acabou em 71, com as interdições de Orgia, de Trevisan, e República da Traição, de Ebert, sob a sombra tétrica do governo Médici. Me recuso a enxergar meu primeiro longa metragem (sozinho) Corrida em busca do amor (71) – uma celebração da anarquia – como filme do ciclo; naquele momento, eu já estava em outra. 4. Há um filme emblemático que falta em todas as retrospectivas do udigrúdi. Trata-se de Superbeldades (62), de Konstantin Tkaczenko. Uma sucessão de 12 streap-teases filmados com a câmera Mitchell e magazines de 300 metros de negativo; doze planos-seqüências de oito minutos cada, que fariam inveja à Jean-Marie Straub. O "clássico" é homenageado em O bandido da luz vermelha e no plano final do episódio de João Callegaro em As libertinas. Foi esse filme que nos fez (eu e Callegaro) cair de boca na Boca e mandar a nossa pretensa erudição acadêmica – via São Luiz – às favas. 5. Acho que o embrião do Cinema Marginal surgiu nos corredores da Escola Superior de Cinema São Luiz e nas mesas do vizinho Bar Riviera. Jairo Ferreira, Sganzerla (conterrâneo e amigo de infância de Callegaro), Candeias, Tonacci (que chegou a dar aulas na ESC), e tantos outros, que não eram alunos, freqüentavam habitualmente os dois endereços. Foi num desses encontros que eu ouvi, pela primeira vez, que o país daquele jeito (65/66) só merecia filmes péssimos e mal-comportados. 6. Quem apresentou José Mojica Marins como gênio foi Luís Sérgio Person, na época, professor da São Luiz. A sessão de À meia noite levarei sua alma, na ESC, para os alunos, foi a peneira. Quem babou com o filme virou cineasta. 7. De 67 a 71, o cinema era apenas um apêndice da vida. Filmei meu episódio em As libertinas mais interessado em aplicar as lições do Kama-Sutra com a namorada nas areias da locação, enquanto buscava os ângulos mais absurdos para filmar cavalos e excrementos na praia. A badaladíssima dos trópicos (meu episódio em Audácia!) trouxe para trás das câmeras tudo o que os personagens consumiam na frente, e vice-versa. Naquele momento, para mim, a vida era mais interessante que o cinema. 8. O inventário do Cinema Marginal já foi escrito; Cinema de Invenção, de Jairo Ferreira. O resto é diluição. 9. Sem demagogia: na época, bons eram os filmes dos meus amigos. O bandido, Bang-Bang, O pornógrafo, Orgia, Meteorango, A margem, Ritual dos sádicos, A mulher de todos, o episódio de Sebastião de Souza em Em cada coração um punhal, À meia-noite, Esta noite, Tonho, O anjo nasceu e Perdidos e malditos são obras-primas. 10. As libertinas e Audácia! são ambos a mesma merda! Moral da história: nunca fui marginal, sempre fui independente. |